03 maio 2014

Maurício Assumpção e a sua dificuldade de entender a torcida do Botafogo



Em reportagem de 01/05/2014, no jornal Extra online, o presidente do Botafogo, Maurício Assumpção foi questionado sobre o preço dos ingressos, numa comparação com a bem sucedida campanha do Fluminense, que baixou o preço e passou a ter públicos bons para a realidade brasileira. As respostas de Assumpção guardam o eterno desprezo para com a torcida do Botafogo, mas revelam também uma assustadora incompetência.

Maurício Assumpção nunca entendeu a torcida do Botafogo
Os números levantados pelo jornal são os seguintes:

Fluminense x Figueirense
Preço mínimo: R$ 10,00
Público pagante: 31.173
Arrecadação líquida (após descontos): R$ 118.000,00
Ingresso médio: R$ 12,36

Botafogo x Internacional
Preço mínimo: R$ 50,00
Público pagante: 7.954
Arrecadação líquida (após descontos): R$ 22.000,00
Ingresso médio: R$ 38,50

Vejamos as respostas de Assumpção:
— Nós já fizemos promoções no ano passado, quando tínhamos Seedorf e Rafael Marques, e percebemos que o aumento do público nesses casos é de 15%. No Fluminense, realmente, eles colocam o dobro de torcedores quando há promoção. A verdade é que o torcedor do Botafogo fica nas redes sociais cobrando promoção, mas, quando fazemos isso, ele não vem ao estádio. Na Libertadores, o torcedor do Botafogo mostrou que comparece quando compra o barulho do time, mesmo sem promoção.
— Eu não posso cobrar R$ 10 no ingresso e o sócio-torcedor, que está com a gente o ano todo e pagando R$ 79,90 por mês, ficar com cara de otário — disse.
 O assunto é importante, e merece uma análise mais aprofundada.

1 - Sou Botafogo não é sócio-torcedor


Para começar, esqueçam a expressão “sócio-torcedor”. O Sou Botafogo não é um programa de sócios, pois quem o assina não se torna sócio do Botafogo. É apenas uma assinatura de ingressos ou benefícios, mais nada.

2 - Preço do ingresso médio pago pelos assinantes do Sou Botafogo


A reportagem diz que o Botafogo tem cerca de 7 mil assinantes do Sou Botafogo com direito a entrar no estádio com a carteirinha. Esse número parece estar inchado, ao menos se cotejado com o público que realmente comparece aos jogos. 

A mensalidade mais baixa dessa modalidade de assinatura é de R$ 80,00 reais. Em um ano, são R$ 960,00. O Botafogo até agora mandou 7 jogos no Campeonato Carioca (seis contra pequenos e um clássico), 4 na Libertadores, e até o fim do ano terá mandado mais 19 no Brasileiro e ao menos 1 na Copa do Brasil. Isso totaliza 31 jogos com mando (podendo chegar a 34, se formos à final da Copa do Brasil). 

R$ 960,00 no ano por 31 jogos já dariam um ingresso médio de R$ 30,97 reais. Se considerarmos que dos seis jogos contra pequenos, apenas um foi no Maracanã, e que do Brasileiro estão previstos ao menos dois jogos fora do Maracanã, essa conta cai para 24 jogos, com o ingresso médio apenas para jogos no Maracanã subindo para R$ 40,00. Se por um acaso o torcedor faltar a quatro partidas e for apenas a 20 jogos, a média já sobe para R$ 48,00 por jogo. Se considerarmos que muita gente paga meia, um assinante do Sou Botafogo que vá a 20 jogos terá pago em média quase o dobro de alguém que vá aos mesmos 20 jogos pagando meia.

Quem empenha R$ 960,00 nisso? Somente os famosos "sete mil de sempre", que são basicamente o público inercial do Botafogo que desde 2003 assina qualquer coisa que a diretoria invente, por pior que seja, embora nem sempre vão aos jogos. Os demais ficam no varejo, contando dinheiro apenas para os jogos mais importantes.

Isso não é legal, Maurício

3 - Antes de renda e fidelização, o importante é a taxa de ocupação


Buscar fidelização e aumentar arrecadação com a renda devem ser objetivos de todo clube. Mas primeiramente é necessário criar demanda. Não se pode vender caro um produto que não tem demanda. E o futebol brasileiro tem problema de demanda, pois o baixo público é histórico e endêmico, com razões nacionais, locais e específicas de cada clube. Alguns clubes têm feito ações que trazem bons públicos, mas geralmente por curto período.

Ao usar o Sou Botafogo como justificativa para o alto preço, Maurício continua persistindo no mesmo erro pelo sexto ano seguido, o mesmo erro que outros clubes cometem. Cria uma dificuldade, o valor alto do ingresso, para que o plano de ingressos, que também não é bom, se torne vantajoso. Não há demanda grande que justifique sacrifícios ou altos gastos do torcedor.

Assumpção alega que é mais vantajoso assinar o Sou Botafogo do que pagar ingresso cheio em todos os jogos. Mas quem disse que o torcedor está disposto a ir a todos os jogos nas condições atuais? O Sou Botafogo sai a uma média um pouco menor? E daí? Estamos comparando algo caro com outro ainda mais caro, por um produto que não vale o que cobram. E quem diz que não vale são os borderôs, os públicos. 

A diretoria do Fluminense finalmente reconheceu que seu público acha que o espetáculo que o clube vende vale R$ 10,00, mas não vale R$ 50,00. Por R$ 10,00, há demanda, por R$ 50,00 não.

4 - Experiência e hábito, não obrigação


O clube hoje precisa oferecer ao torcedor uma boa experiência no estádio, de modo que ele goste e queira voltar. Com isso, ele cria o hábito de ir aos jogos regularmente, passa a sentir falta quando não vai, pode ir com amigos ou familiares, transformando aquela simples partida de futebol numa experiência também de relacionamento.

O torcedor já sofre com o transporte, a violência e alguns horários complicados. A desorganização do futebol brasileiro, com excesso de jogos, muitos deles inúteis, também contribui para o desânimo. Esses são fatores inerentes ao país, às cidades e ao futebol brasileiro. O clube deve então atacar os pontos que lhe cabem, especialmente no interior do estádio.

Baixo preço de ingresso, permitindo ao torcedor comprar por impulso e até levar familiares sem que isso pese no bolso. O torcedor pensa em ir ao jogo e vai, sem fazer contas ou se assustar com valores. O clube precisa oferecer também conforto e comodidade. Venda de ingressos antecipada, organizada, entrada no estádio também organizada e boa estrutura dentro, preferencialmente sem tentar extorquir o cidadão nos bares internos.

O torcedor não tem nenhuma obrigação de ir ao estádio, como pensam muitos dirigentes. Ele é ao mesmo patrão, cliente e consumidor. Sendo bem tratado, o torcedor usufrui da experiência e quer repeti-la, leva filhos, leva amigos e uma nova geração de torcedores cria o hábito da arquibancada.

5 - Os ganhos indiretos


É comum que um dirigente de pouca visão pense no público apenas pela renda. O Extra já mostrou que mesmo com ingresso mínimo custando um quinto do Botafogo, o Fluminense saiu de seu jogo com o quíntuplo de dinheiro. Ou seja, mesmo na conta direta o Botafogo já saiu perdendo.

Mas há ganhos indiretos. O estádio cheio traz diversas vantagens para o clube. Primeiro, há um ganho técnico, pois a atmosfera criada com mais torcida pressiona o adversário, anima a equipe e aumenta a chance de resultado positivo. E vitórias significam mais retorno de mídia, valorização, disputa de títulos.

O estádio cheio é bom para a imagem do clube e da torcida. Cria-se a fama de torcida que comparece, que empurra, e o torcedor se sente parte do jogo, sente que ajuda no resultado. O torcedor sente orgulho de si mesmo.

Com mais pessoas criando o hábito de ir aos jogos e vivenciando essa experiência de um estádio cheio, forma-se uma nova geração de torcedores atuantes, torcedores estes que também são mais propensos a consumir produtos originais do clube.

Também agrega valor à marca. A tendência é a TV transmitir mais jogos, pois partidas com mais público dão mais audiência do que as de estádio vazio. A camisa se valoriza, aumentando a arrecadação com patrocínios.

Não fica mais bonito assim?

6 - Fazer o básico corretamente


Portanto, é preciso ter em mente que o mais importante no momento é subir a taxa de ocupação do estádio. Para tal, o Botafogo precisa tratar bem seu torcedor através de ações simples:

- Ingressos compatíveis ao que hoje vale o espetáculo e ao que hoje está disposto a pagar o torcedor. 
- Venda de ingressos organizada e bem antecipada. 
- Operação do estádio também organizada, especialmente entrada e saída. 
- Pacotes de ingressos para jogos em sequência ou por competição.
- Confirmação antecipada de datas e locais dos jogos (por exemplo, ninguém sabe ao certo onde serão os próximos). 

Não são ações inovadoras ou mirabolantes, basta fazer com qualidade a rotina inerente a qualquer clube, mas que hoje no Botafogo se faz de forma péssima. Bons resultados não serão obtidos simplesmente criticando repetidamente a torcida e tratando-a como se tivesse obrigação de compensar os erros administrativos de pessoas despreparadas.

O Fluminense, tão elogiado, pôs 30 mil pagantes, que são em torno de 50% de taxa de ocupação (considerando carga máxima de 60 mil). É uma taxa pífia se comparada à Europa, mas boa em termos de Brasil. O Botafogo precisa trabalhar com uma meta de pelo menos 60% ou 70%, mesmo sabendo que isso não se consegue da noite para o dia.

Preço justo, organização e bom tratamento são a chave. O torcedor do Botafogo já deu provas de que responde bem quando motivado. Basta então que lhe deem motivos para encher novamente o estádio.

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